Um exemplo que vem de Birigui

autor: Francisco Noriyuki Sato

Ano de 2011, em São Paulo. Um grupo de 37 dançarinos, formado por crianças e adolescentes, brilha no amplo palco do Via Funchal, na Vila Olímpia. O grupo é o Tomodachi, da cidade de Birigui, da região Noroeste do Estado de São Paulo. O evento é o 9º Festival Yosakoi Soran, uma competição de dança, realizado no dia 31 de julho, com a participação de 16 equipes de todo o Brasil.

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Os jovens birigüienses, que participaram pela quarta vez desse evento, saíram do palco ovacionados pelo público e aplaudidos pelos jurados. Como resultado, receberam o título de primeiro lugar em sua categoria, a juvenil.

Na entrega dos prêmios, era visível a alegria contagiante do grupo, que não era apenas por vencer a competição, já que haviam conquistado a mesma classificação no ano anterior. A alegria e as lágrimas emocionadas se fizeram jus, porque não foi fácil, porque houve muito preparo para que aquela coreografia desse certo. Enquanto outros grupos apresentaram uma coreografia próxima do tradicional, o Tomodachi de Birigui levou ao palco uma apresentação mais dinâmica e complexa. Afinal, quem criou aquela coreografia original?

Voltando no tempo, o ano é 1961 e o lugar é Tóquio, a capital japonesa. O jovem escultor Hisao Ohara, de 29 anos, e sua esposa, a bailarina e coreógrafa Akiko Ohara (foto abaixo), de 26 anos, preparam suas malas para uma viagem inesquecível ao Brasil. Mas não iriam fazer turismo. Haviam decidido morar na Fazenda Yuba, em Mirandópolis, onde o patriarca Isamu Yuba, visualizava uma nova fase cultural em sua comunidade, com a construção do teatro e o ensino da arte da escultura.

O casal chegou no dia 14 de dezembro daquele ano, e a comunidade começava a construir o seu teatro, onde a experiência de Hisao, formado em Belas Artes e com vivência em atuação, cenografia e iluminação, seria muito útil. Enquanto isso, as crianças ensaiavam as peças que seriam apresentadas na festa de Natal, e Akiko, com experiência em coreografia para televisão, começou a orientá-las. Logo, Akiko passou a ensinar balé moderno a esse grupo, formando o famoso balé de Yuba, que divulgaria o nome da fazenda comunitária para todo o mundo.

Do balé moderno ao yosakoi soran de Birigui

OLYMPUS DIGITAL CAMERAMais de 40 anos depois, em 2003, o grupo de balé de Yuba participou do 1º Festival Yosakoi Soran, que foi realizado no bairro da Liberdade. O grupo já tinha o “Soran Bushi” (uma das danças que deu origem ao Yosakoi Soran) em seu repertório, e foi fácil fazer a adaptação para o evento, que naquele ano, não teve caráter competitivo. Já no ano seguinte, Yuba venceu o Festival.

Há alguns anos, o Yuba não participa desse evento, devido aos afazeres de seus jovens integrantes, mas a coréografa Akiko Ohara continua em ação. Ela é a autora da bela coreografia do grupo Tomodachi de Birigui.

Em 2008, preparando as comemorações do Centenário da Imigração Japonesa, Noemia Sakai teve a ideia de montar um grupo de yosakoi soran em Birigui. Sabendo da sua tradição na arte da dança, solicitou ajuda à comunidade Yuba, que prontamente enviou a professora Saki para formar um grupo na cidade. No mesmo ano, Birigui conquistou o segundo lugar no Festival de Yosakoi Soran.

Infelizmente, a professora Saki foi para o Japão, e o grupo ficou sem orientadora. Mesmo assim, com muita coragem e determinação, e sem nenhuma ajuda dos pais, os 16 jovens do Tomodachi prepararam o show, treinaram por conta própria, arrumaram um microônibus, pago pela Associação Cultural e Esportiva de Birigui e pelo Fujinkai (departamento de senhoras), e foram para o Festival. “Nem mesmo um lanche nós pais levamos para eles”, conta Monica Terumi Endoh Baba, mãe de duas dançarinas, que completa: “Quando um coordenador do evento disse-lhes que, se o grupo tivesse mais integrantes, poderia ter conseguido o terceiro lugar, eles choraram muito”.

Foi então que Monica e outros pais, tios e avós perceberam que esses jovens mereciam todo o apoio da comunidade. Noemia Sakai teve de se afastar da coordenação por motivo de saúde, e Monica assumiu esse posto, sendo apresentada à coreógrafa Akiko Ohara da comunidade Yuba. E dessa vez, a própria professora Akiko resolveu aceitar o trabalho de orientar os jovens de Birigui.

Desde então, ela e suas assistentes, Julia, Emi e Marian, viajaram todos os sábados durante quatro meses, da comunidade Yuba até Birigui, num percurso de quase 150 km, para coreografar e preparar o grupo. O resultado foi o primeiro lugar conquistado em 2010.

A coreografia do Tomodachi

Os pais, por outro lado, trabalharam intensamente, vendendo rifas, fazendo pizzas e pastéis e até organizando bailinhos no Carnaval para arrecadar fundos para o grupo, que não tem patrocínio de grandes empresas.

Depois da vitória em 2010, Monica deixou a coordenação do Tomodachi, ficando Ikuo Suzuki, líder do beisebol na cidade, em seu lugar. Monica continuou ajudando nos treinos e incentivando a equipe.

Este ano, o Tomodachi ganhou uma música original, composta especialmente para o grupo no Japão por Mitsushi Jindai e com arranjo de Masakatsu Yazaki. A partir dessa música, a professora Akiko criou a coreografia com o tema “Aki no Kaze” (Vento de Outono). A professora e sua equipe repetiram as viagens e a dedicação do ano anterior, e o resultado foi mais uma vitória em 2011.

Questionada sobre a nova coreografia, que lembrava a do teatro de Takarazuka, a professora explicou que todas as danças de palco, incluindo a de Takarazuka, são feitas para serem apreciadas pelo público que está no outro lado, e nesse sentido, são semelhantes entre si (o que é diferente do “bon odori” que é dançado em círculo e o público assiste ao redor). “Mas, no fundo, talvez haja alguma influência do teatro de Takarazuka”, comentou Akiko, hoje com 76 anos. O motivo é que o casal Haruo e Akiko Ohara sempre apreciou o Takarazuka e, enquanto morava no Japão, assistiu a todos os shows desse grupo teatral quando se apresentava em Tóquio. Quando Takarazuka visitou o Brasil na década de 70, o casal Ohara viajou a São Paulo para vê-lo no Teatro Municipal. O Takarazuka tem origem na cidade do mesmo nome, e se caracteriza por um elenco exclusivamente feminino. Na origem, em 1914, ele foi influenciado pelos musicais de Londres, Paris e Nova Iorque.

A prova de que, com esforço, tudo se consegue

A coreografia foi bem elaborada, mas como treinar um grupo heterogêneo de 36 integrantes que tem desde uma menina de 7 anos a jovens de 21 anos? Sendo que uma delas é 100% deficiente auditiva?

A resposta está na motivação do grupo. A professora Akiko conta que vale a pena o sacrifício ao ver crianças e jovens tão dedicados e motivados, como o Luiz Henrique Suzuki, de 17 anos, que apesar de ter que estudar para os exames vestibulares, liderou os colegas, treinando-os durante os dias da semana.

Garotos empenhados como o garoto Vitor Ken Nagano, de 9 anos, que quebrou o braço a 8 dias do Festival, mas se apresentou mesmo assim, com o braço engessado. E dançou tão bem que ninguém reparou nesse detalhe. “São histórias assim que mantém o grupo unido e forte”, comenta Monica Baba.

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E são histórias desse tipo que fornecem energia para a professora Akiko Ohara. Ela, por sua vez, sofre de dores nas pernas e nos pés, e adiou uma cirurgia para depois do Festival de 2010, para poder treinar os esforçados jovens. Este ano, novamente, esperou terminar o Festival para se submeter à nova cirurgia. “Ela nunca reclamou nada e só ficamos sabendo muito tempo depois”, lembra Monica.

A professora Akiko Ohara e o grupo Tomodachi de Birigui mostram, com seus exemplos, que o antigo e verdadeiro espírito japonês “yamato damashii” ainda existe dentro da comunidade nipo-brasileira. Cabe a nós preservá-lo.

Francisco Noriyuki Sato é jornalista e editor, autor dos livros “História do Japão em Mangá”, e “Banzai!”, entre outros. É editor do site www.culturajaponesa.com.br.

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